sábado

fino

Depois que me apresentaram a razão, eu fiquei aqui, com a mesma sensação de quase dor, mas sem poder libertar as velhas lágrimas que toda grande paixão recomenda.

segunda-feira

Calor

Ao encontrar seus olhos, os meus desviavam
Suava todo o pecado que me preenchia
E tirava a blusa de frio, culpando os outros por espalharem tanto
calor em um lugar
Malditos humanos.

E o tempo é algo realmente inadmissível.

Tudo o que o passado não pôde experimentar
Foi traduzido em horas comprimidas, em minutos alongados
Mas que não foram suficientes para que eu me desse conta

(...)

Você está deitado com a cabeça em meu colo
E eu me pergunto por que é que o momento errado sempre é o que faz
tudo acontecer
É na desordem que a verdadeira paz se manifesta
E eu sentia tudo isso ali, encostada em você, mas não com você.

Porque encostar não é nada que se possa fazer durar

E eu só podia encostar,
enquanto seus olhos me tocavam

E tocar é atingir e fazer soar
Atemporalmente
Qualquer coisa que me faça saber que está ali, em mim.

quinta-feira

Pele

não quero mais minha pele, decidi arrancá-la
quero a flexibilidade inimaginável.

vou arrancar meus músculos para ficar mais leve
quem sabe o vento consiga me embalar..

quero arrancar minhas orelhas, meus ouvidos
quero sentir a música vibrar nos ossos.
quero tremer e ficar instável, insustentável.

não quero ter nariz
quero que os cheiros apareçam
quero que me consumam.

vou atirar pro alto meus olhos
que só absorvem o mínimo dos estímulos que me cercam
quero não ter nada para conseguir ver tudo
quero não ser vista.

não quero braços nem mãos
não quero agarrar
quero estar solta.

não quero pernas
pernas me fixam
eu prefiro a aflição de debater-me sem sair do lugar

vísceras pesam
quero morar no ar.

no lugar da minha boca, quero um grande poço sem paredes.
quero ser água cristalina
quero luzir.

quero estar.


quero ser um pensamento denso
que só existe quando alguém acredita.

quero não ser mais que uma existência leve
um punhado de nada com registros do todo.
nada além de uma composição frágil, volátil, imperceptível.

quero ser tragada.
mastigada.
modelada.
inalada.

quero ser desfeita.
desintegrada.
rasgada.
consumida.

por que não existe um verbo que agregue todos as sensações possíveis de serem experimentadas?

não quero mais minha pele, decidi arrancá-la.

segunda-feira

romance

Eu destravo a porta do passageiro.
A sua porta.
Você entra sorrindo, me cumprimentando.
Não te respondo.
Sorrio para o horizonte.

Acelero.

Você me diz o que aconteceu no metrô: um idoso quase prendeu o braço na porta por descaso dos passageiros.
Sorrio.

Acelero.

Você se cala, respiramos a tensão que eu espalhei pelo ar.

Acelero.

Você silencia, como se eu não estivesse mais lá.
Liga o som.
E é claro que eu havia pensado nisso: já havia escolhido o cd antes mesmo de você entrar no carro.
A música diz coisas que você entende, e você entende que estou ali.
Sabe que fiz de propósito.
Percebe que está tudo calculado e que está sendo vítima de todo um planejamento prévio e, por que não, frio?!

Acelero.

Você nem nota: estamos fora do caminho previsto há algum tempo.
E há um bom tempo não tiro o sorriso doce dos lábios.
Você se percebe parte do plano e está me olhando, tentando achar alguma pista.

Pegamos uma estrada de terra.

"O que há contigo, afinal?"

Hahaha..
Sua voz está cheia de angústia, pobre moleque.
Moleque.
Não passa de uma criança temendo a mãe incompreensível, inconsequente.
Imagino-me uma mãe daquelas que tacam fogo na casa, esquecem dos filhos, quebram tudo..
e caem na real de repente, chorando, abraçando os filhos, salvando-os.
A diferença é que eu não cairia na real tão cedo.
Meus pensamentos me fazem cócegas, a gargalhada é inevitável.
Prevejo a sua aflição.

Estrada de terra.

Hahah..
Nesse ponto, você já está ameaçando puxar o freio de mão, ameaçando me tirar do volante, abrir a porta, se jogar.
Não consigo parar de rir, como você pode ser tão idiota?
Estamos dentro de um carro, em uma estrada de terra consideravelmente plana...
mas estamos a quase 100km/h!!!
Suas ameaças são tão vãs quanto qualquer tentativa de escapar.
Estou no domínio.

Acelero.

Hum..Aí está!!!
Você entende tudo e se vira para mim, gritando, suando.
Eu te olho.
Não olho mais para frente.
Eu te olho.
Sorrindo, te olho.
Você pede, implora, me empurra.

Acelero.

Você entendeu.
A eternidade prometida não é mais um sonho.
Quero você inteiro só para mim.
E tudo está conosco.
Não preciso mais acelerar.
O carro faz a sua parte, o vento nos ajuda, o céu se abre, a estrada acaba, os olhares se tocam, a pele arrepia, os corpos flutuam, as mentes se perdem, o infinito nos abraça.

E eu me lembro em um único flash:
"Vou passar por São Paulo amanhã, querido."
"Olha, é mesmo? ..Demorô, carona!"

Tonto.
Você está devorado.
Coitado.
Não sobrou nem o caroço.

..Pena que não sabe de nada ainda.
Está tudo encaminhado.
Você me espera no lugar combinado.
Acelero, estou chegando!
Você se aproxima do carro.
Chegou a hora.
(repeat all)

sábado

não movimento as palavras como gostaria

mesmo assim, me faz bem.

admitido pelo uso

imagine!
te amar agora requer pá pesada e suor
além da certeza de que agora pisarei em fundos falsos
e de que agora existe a possibilidade de ir mais fundo

vou te amar para sempre.

quem sabe lá por aqueles dias
a gente tenha alguma história para contar
quem sabe até lá...

vou te amar pra sempre.

todos os amores acabam de ontem pra hoje
o 'para sempre' é um buraco raso que se cava sem esforços.

sexta-feira

eco

Mãos de terra em meu corpo
Terra seca.

E algum fantasma de carne sobrevoando tudo
Mas só eu o vi.
E ele só me via.
Meus olhos desviavam e paravam naquele amontoado de peças que eu nem reconhecia como minha e dele
Mas preferia prender os olhos ali naquelas ondulações de pele clara e cabelos leves, do que fechar os olhos e ver a dor opaca que o fantasma desenhava só para mim.
Terra seca.

Foi de repente que o fantasma quente resolveu me contar
Mas sua voz de carne me assustava a cada sussurro, e eu não podia escutá-lo, ainda que gritasse.
Sua voz espirrava suor, e a terra daquelas mãos virava lama, enquanto meus olhos suplicavam o fim dos dias, do sol, do mar.
Foi também de repente que o fantasma e todos os outros elementos pararam, e tudo se acalmava.
O sangue se transforma em pedra
Que tranca qualquer escape para que eu pudesse dizer que podia entender os desenhos do fantasma.

Adeus.