quinta-feira

Calo

A chuva estrala na minha janela
Os carros escandalizam seus infinitos trajetos
O vento incomoda o calor do meu corpo
As luzes, o cheiro, o turbilhão lá fora.

Aqui dentro, tudo quieto
Não que silêncio seja o mesmo que paz

(...)

Minha janela fica de frente para um mundo de ruas e seus asfaltos, carros, máquinas, janelas, olhares, antenas, céus, ares
Tudo isso sabe que existo?

Ando secreta pelas ruas, não procuro olhares. Como se meu silêncio pudesse se manifestar na pele... numa existência encoberta aos olhos alheios.
Devido ao barulho, silêncios podem muitas vezes passar despercebidos
Não que o pânico não possa provocar o mais insondável silêncio.

terça-feira

Sartre

"(...) as modificações fisiológicas que correspondem à cólera não diferem senão pela intensidade das que correspondem à alegria (ritmo respiratório um pouco acelerado, ligeiro aumento de tônus muscular, crescimento das trocas bioquímicas, da tensão arterial, etc.): no entanto a cólera não é uma alegria mais intensa, é outra coisa, pelo menos na medida em que se oferece à consciência."

Quero

Queria correr todo o trecho
sem me dar conta
sem me sentir pronta
e nem sentir cansaço no desfecho

Queria sorrir assim
espalhando magia
escorrendo alegria
sem medo de mim

Queria aprender somente
com a sinceridade do desprevenido
com a firmeza do desinibido
com a audácia do insolente

Queria que o dia fosse
assoprar o quente
escovar o dente
depois de engolir o doce

Queria não sentir a parte oca
não entender a falta
não silenciar a flauta
desconhecer o amargo da boca

Quero tudo isso assim
sem me preocupar com o fato
de que viver é um contrato
rasgado no fim.

quarta-feira

Rubem Alves

"Por que rimos e choramos por aquilo que não existe, aquilo que é fantasia? A resposta é simples: choramos e rimos porque a alma é feita com o que não existe, coisa que só os artistas sabem. 'Somos feitos da mesma matéria dos nossos sonhos', afirmava Shakespeare. Com o que concorda Manoel de Barros, rude poeta do Pantanal: 'Tem mais presença em mim o que me falta'. E Miguel de Unamuno:
'Recorda, pois, ou sonha, alma minha
- a fantasia é tua substância eterna -
o que não foi
com tuas figurações faze-te forte,
que isso é viver, e o restante é morte'."

quinta-feira

Acordo.

Sua pele me acorda
Sonhos, pesadelos...
Tudo desaparece no instante em que abro meus olhos
E encontro os seus, que já estavam nos meus.

Talvez você entenda mais dessa realidade que eu
Enquanto eu durmo e estou voando por aí, você se prepara.
Quando me converto em carne e lembro quem sou, você já está me encarando, certo de quem é
E me recebe com esses olhos tomados de encantamento

Por que é que seus olhos nunca apagam?

Te abraço e não quero que isso acabe jamais
Daí você sorri desse jeito
Meu Deus, me ensina a sorrir desse jeito!

Aliás,
Me toma pela mão
Me explica que não preciso ter medo
Me abraça para que eu esqueça
Me beija para que eu me lembre

Porque você entende mais dessa realidade do que eu
Me acorda
Me fala da vida
Me põe o anel
Me faz um filho
Me ensina a viver.